sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Palavras-Trans.



As palavras têm diversas funções na vida da gente. Algumas ferem, outras recobrem, outras saúdam, outras cativam, tantas mais encorajam. Enfim, a lista das funções que as palavras têm em nossas vidas é gigantesca. Noutro dia, conversando com uma amiga, chegamos à conclusão de que nossas mães nos mostraram, através de palavras específicas, que elas não se reduziam (nem se reduzem) ao que as palavras que elas usavam (e usam), apontam. Tanto as palavras, como nossas mães (e, é claro, tantas outras!), deixavam passar algo mais, algo além, meio dito-e-não-dito. Algo mal-dito e bem-dito, ao mesmo tempo.

Lesco-lesco e mimi-cocó, são palavras cheias. Cheias de sentido para mim e minha amiga. Além de serem engraçadíssimas! Encarnadas, saídas da carne viva, em movimento, e no roteiro de cada família, essas palavras vão dando sentido a uma cena, a um pedido, a uma aflição; fornecem suporte a uma porção de fantasias que cada membro dessas famílias carrega dentro de si, além das lembranças que nos recheiam. Mas elas não são “só” isso. Recolocadas em seus vários minutos de fama há tempos atrás (e ainda hoje, por serem repetidas por seus “fãs”), são a encarnação de nossas capacidades; sobretudo nossas capacidades de lidarmos com as nossas incapacidades, nossos furos, nossas impossibilidades, com as impossibilidades da vida.


De onde foram tiradas essas palavras? Alguém lhes havia ensinado isso? Elas mesmas as tinham inventado? Nunca saberemos e, talvez, isso não seja o que realmente importa, pois é justamente no lesco-lesco do dia a dia, e através dos mimis-cocós proferidos quantas vezes forem necessárias, que fomos (e vamos!) nos formando e nos informando de que uma das melhores funções das palavras em nossas vidas é a de nos apresentar a transitoriedade dos objetos, dos fatos, da própria vida... Que não pode e não deve parar...

Elas também nos mostram a nossa história antes de nós. A história da história de alguém que veio antes de nós. Nossa história ramificada, com raízes em lugares que fazem parte destas histórias, até chegar a nossa. As palavras atravessam mares, trovões, dias frios, horas, anos e nos perseguem embora algumas nós façamos questão de carregar. Como lesco-lesco e mimi-cocó!

Mãe tem sempre essa coisa de mais íntimo e, ao mesmo tempo, de muito estranho... De estar e não estar no lugar da angústia, de reconhecer que as coisas tem que continuar, tem que ser transmitidas, para que a vida continue seu curso...

Dizer “mimi-cocó”, quando as coisas não saíam do jeito certo ou esperado, era a forma que minha mãe tinha de dizer “vamos em frente!”, sem fazer de conta que nada estava acontecendo, reconhecendo o imprevisto, e continuando apesar dele e através dele... E muitas vezes, para meu espanto, trans-gredindo regras, costumes... O que me fazia pensar: “Mas, afinal, o que é o certo?”.

Minha mãe falava pra caramba, não era brincadeira! Mas, quando solicitada além de suas forças ou quando exigíamos dela uma postura assim ou assada ou quando estávamos sem empregada e ela se camuflava de maria além da tarefa da criação dos filhos, ela dizia apenas: “Minha filha, to aqui no lesco-lesco, se der deu, se não der não deu”. Hahaha é claro que eu estou rindo agora porque na hora ficava com raiva, mas ao mesmo tempo percebia que minha mãe era uma só e não tinha condições de atender aos nossos pedidos ou chamados sempre que queríamos, e, de alguma forma, eu me sentia acolhida, acalentada, pois minha mãe tinha me escutado e falado comigo. Eu sabia que quando lhe fosse possível, ela estaria presente, ela viria me ajudar ou me perguntar se eu ainda precisava da ajuda dela. Muitas vezes isso bastava. Minha mãe me apresentava, assim, através de sua palavra enigmática, a possibilidade da continuidade, da confiança, para além das dificuldades.

Minha mãe me deixou muitas coisas além de uma lembrança bem quente e cheia de quem ela era. As Palavras. As palavras e a forma como a minha mãe as empregava povoam o meu ser e agradeço por ela ter sido uma apreciadora das palavras. Minha mãe cuidava das palavras que manipulava e através das quais se expressava. E mesmo que visse uma jogadinha ou sendo mal tratada, recolhia a pobre coitada e dava um trato nela, logo aquela palavra ganhava vida nova e podia sair lépida e fagueira novamente, novinha em folha.

Volta e meia me ouço falando com a minha filha da mesmíssima forma como minha mãe falava comigo e com o meu irmão. Palavras idênticas, frases ditas no mesmo tom. Fico muito impressionada porque são frases e acordes que identificam tanto o esporro quanto o carinho. Não tem como tapar o sol com a peneira e dizer que não recebemos e educamos nossos filhos com traços apoiados na maneira como fomos recebidos e educados. Convidados ou não, nós chegamos ao mundo por intermédio de uma mulher, que se transformou em nossas mães, e tais como nós, elas também foram filhas e tiveram lá suas maneiras de lidar com a forma (não fórmula) que foram tratadas.

Isso tudo pra dizer que nosso infantil é alicerçado pela construção do vínculo estabelecido entre nós e nossas mães, e as palavras ditas por elas nos embalam a vida toda e nossos filhos, mesmo que não tenham conhecido suas avós, receberão através de nós sua herança verbal, suas tradicionais palavras-trans, palavras-mágicas que cumprem sua trajetória familiar e, por vezes, ampliam seus horizontes e são captadas por outros tantos que a elas se enfeitiçam. O tempo libidinal, o tempo do inconsciente não passa e é como se ainda vivêssemos lá, enfeitiçados pela confiança, pelo desconforto, pelo ódio, pelo amor, e por mais uma porrada de coisas e adjetivos que vamos introjetando e projetando ao longo da vida.

Infiltradas em nossas veias e músculos, essas palavras são capazes de indicar se será um dia de sol ou de chuva na previsão familiar e, com isso, sugerem aos seus integrantes se é melhor sair agasalhado ou de canga e chinelinho. E lá vamos nós, herdeiras e trans-formadoras dos efeitos dos lesco-lescos e mimis-cocós de nossas mães, de todas as mães que souberam transmitir a confiança e a continuidade de ser através da vida e da inevitável finitude. Abençoadas sejam estas mulheres (e nós também)!
bjs
AP e EP

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

“…VAI PASSAR…”


Tem sido cada vez mais comum encontrarmos textos de psicanalistas (e sociólogos, filósofos) falando sobre o maior problema enfrentado dos tempos atuais: a falta de tempo... para pensar, refletir, sentir, sonhar, fazer nada, ou fazer o que realmente gostamos de fazer.

Uma das inúmeras conseqüências (além da depressão, dos estados depressivos, dos estados de expectativa ansiosa, das compulsões, síndromes do pânico etc), é o agravamento de certas sensações que trazemos conosco desde muito tempo, dentre elas, a necessidade de lutarmos por nossas vidas, de nos defendermos, de sermos alguém... para os outros e para nós mesmos. Imersos num mundo cada vez mais exigente (em todos os sentidos!), nos sentimos cada vez menos; porque estamos cada vez mais sozinhos!

Tal como no filme “Ensaio sobre a cegueira”, encontramo-nos absolutamente sós em nossas aflições, porque o nosso vizinho, amigo, pai, mãe, marido, amiga, filho etc, etc, também está tentando sobreviver e, por isso, não pode nos oferecer a oportunidade de nos escutar, de se escutar. Não temos mais, portanto, sequer a chance de nos queixarmos! Para quem? E de que adiantaria isso?

A velocidade com a qual temos sido levados nos retira, em primeiríssimo lugar, a consciência de termos um corpo capaz de sentir e, não apenas, de obedecer aos inúmeros apelos, acumulativos, de “faça isso”, “faça aquilo”, “seja assim”, “seja assado”...

Não há mais ninguém para acolher nossas dores... Não há mais ninguém capaz de nos transmitir o mínimo de esperança no sentido mais íntimo, e mais simples, dessa palavra: ter esperança é ser capaz de usufruir de nossa capacidade de esperar.

Como esperar, se o “com-corrente” não pára de correr? Como esperar se o “Sistema” nunca sai do ar e, quando sai, eu não consigo dizer “Ai, que bom! Pausa!” – pelo contrário, nos desesperamos (perdemos a esperança!) numa fração de segundos!

E assim vivemos, se é que se pode chamar o que temos hoje de vida... Sem ninguém para quem nos queixarmos, sem ninguém que nos possa ouvir, sem que possamos, enfim, dizer para nós mesmos: “vai passar...”.

A esperança é um dos organizadores de nosso funcionamento psíquico e emocional.

EP

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

VERMELHO COMO O CÉU.



A vida, o mundo não são justos! E ainda bem! Senão a gente não poderia contar com as forças e os caminhos que nos levam a superar as tragédias e os riscos inevitáveis, que vem junto com o “kit-vida”...

A vida também não tem lógica! Pelo menos não a pobre lógica da nossa consciência, muito limitada, coitada, para dar conta da imensa complexidade das forças que nos movem...

E porque não tem lógica e não é justa, mas é absurdamente forte, a vida encontra sempre um jeito de prevalecer, apesar dos nossos sofrimentos e da nossa implacável ignorância... E esta prevalência da vida não implica, é claro, em termos que seguir, ou estarmos submetidos, a um caminho em linha reta, linear... Não, a vida faz rodeios, dá saltos, encontra saídas que independem de nossa estreiteza consciente...

O filme “Vermelho como o céu” (como outros que sabem falar sobre a vida) é um exemplo muito lindo das complexas forças que regem nossos destinos. Uma tragédia acontecida a um menino de apenas 10 anos, é o motor do verdadeiro renascimento de Mirco e de todos aqueles que estão a seu redor.

Baseado em fatos* , a história de Mirco é a prova e o testemunho de que cada um de nós traz em si a marca da revolução, a capacidade de atravessar barreiras sociais, morais, educacionais, temporais. O que nos faz portadores de uma capacidade de fundar o novo, de transgredir o que é tido como “certo” e “errado”... Abrindo novas possibilidades para todos. Para todos aqueles que respeitam a vida acima de tudo, sem se prenderem ao que nossa medíocre consciência é capaz de reconhecer como “normal”...

“Vermelho como o céu” é uma obra de arte. Como a vida, é um filme que atravessa os tempos, que supera os fatos para fundar novas dimensões, novas formas de fazer valer esse verdadeiro milagre chamado superação.

Mas, para isso, é preciso que fique claro, é preciso olhos para ver e ouvidos para escutar (o que independe de termos visão, audição fisiologicamente perfeitas). É o que faz o professor de Mirco que, antes de ser professor, é gente, está vivo no sentido de estar em pleno contato com a força da vida e de não ser, apenas, um “cagador de regras” – ele não deixou secar em si a sua própria capacidade transgressora.
Mirco não teria chegado onde chegou, nem teria levado tantos com ele, não fosse o olhar e a escuta desse professor. Tanto para ele, quanto para Mirco, o céu pode ser vermelho. E, por que não?

Evelin Pestana


*Em Psicanálise não importa muito essa distinção entre ficção e realidade. A ficção é a nossa realidade e mesmo quando os fatos são "reais", o que importa é como o sujeito vivenciou ou fez a experiência desse fato.

terça-feira, 16 de junho de 2009

O HOMEM E O URSO

Outro dia uma amiga me enviou um clip onde era feito um paralelo entre duas cenas. Na primeira, um homem, por vários dias, sai de sua casa para trabalhar, volta e, a cada retorno, encontra sua casa diminuída, tendo que se agachar, se encolher, cada vez mais, para poder passar pela porta, para entrar e sair, para ir e vir. Até que, um dia, não lhe era mais possível entrar... Ele, então, sem saída (ou melhor, sem entrada), permanece sentado na soleira da porta, cabeça baixa; o homem se tornara uma criança desamparada, a pasta do trabalho e a gravata que ele usava, agora meros artifícios inúteis, sem o menor valor para alguém que, ao perder a casa, também perdia seu próprio valor de homem, trabalhador, chefe de família, ser do sexo viril...

Esta pequena e intensa historinha é colocada em analogia com uma outra cena, onde uma historia ainda menor, mas muito mais intensa, vinda de um outro animal, que não um homem, nos defronta com um sentido, trágico, a ser dado ao “homem sem teto” (homem sem teta, desmamado, desamparado) da historia anterior: um urso polar sob uma pequena placa de gelo que boiava em meio ao oceano, vagava, de um lado para outro da placa, e em dois ou três pequenos passos, de lá para cá, de cá para lá, descobria, sem que, entretanto, pudesse se conformar com o fim da vida que se anunciava, que ele não tinha saída, que sua casa havia sido reduzida a apenas um curto pedaço de gelo – que nós, seres pensantes, sabemos que se derreteria num curto espaço de tempo.

Para o homem, não havia entrada. Para o urso, não havia saída... E eis que em questão de segundos, a vida humana e a vida animal perdem os elementos que, teoricamente, as diferenciam (terno, gravata, pasta de trabalho, ilusões necessárias...), para se igualarem no limite da existência, da finitude, da recusa de todo ser vivo em deixar de existir. Da tristeza de não poder morrer por seus próprios meios...

Assim como o tempo, a vida tem sido cada vez mais abreviada. Sem tempo para amar, sem tempo para pensar, sem tempo para sentir...Sem tempo para viver, nem sequer nos darmos conta de que também a nossa vida já não vale mais nada, está em vias de se extinguir. Ironia e paradoxo do homem: buscando viver ao máximo, nos esquecemos de preservar a vida...

Inúmeros apelos tem sido feitos a favor da preservação de nosso planeta. Em sua maioria, o apelo é o de que preservemos o planeta para nossos netos, bisnetos... O que é extremamente válido!

Mas, o urso que, em desespero, vagava de lá para cá, de cá para lá, nos faz lembrar de um outro/mesmo lado dessa tragédia na qual estamos todos, sem exceção, incluídos: “em que estamos nos transformando?”

Ao querer vencer a morte, a finitude; na ânsia de conseguir o máximo de satisfação possível; ao desconhecer sua mortalidade; ao se pensar um Super-Homem, o homem parece estar, realmente, alcançando tal objetivo: autômatos, fantasiamos com nossos umbigos os maiores gozos, os impensáveis prazeres ainda nem sequer descobertos como tais... e esquecemos de que somos feitos de carne e osso. E de que, tal como o urso polar, estamos, cada vez mais, vivendo numa ilhota (sem amigos, sem amores, sem afetos), cercados de tecnologia por todos os lados.. e sem termos para onde ir.

Estamos cada vez mais nos retirando do ciclo da vida, e não levando em conta que precisamos criar seres humanos melhores para podermos ter um planeta melhor (ou o que restar dele). A clonagem humana – um dos efeitos do delírio de imortalidade do homem – viria nos salvar da extinção da espécie?

Em que pese os indiscutíveis avanços da ciência e da tecnologia, creio que é preciso pensarmos também em algo mais simples, mais ao alcance de nosso cotidiano de simples seres humanos: nossa capacidade de encontrar novas saídas e novas entradas para nossas ambições, ilusões, delírios – para citarmos apenas algumas das características que nos diferenciam das outras espécies animais.

Sem querer puxar a brasa para a nossa sardinha (este é um blog no qual participam psicanalistas que, entretanto, não se esqueceram de que são humanas, antes de serem psicanalistas), creio oportuno lembrar que nossos consultórios estão cada vez mais repletos de pessoas que não conseguem trocar, que não conseguem fazer bons vínculos, que se encontram cada vez mais ilhadas em seu próprio mundo, aterrorizadas, deprimidas, em pânico, apáticas ou em delírios que não necessariamente são percebidos como tais.

Pais e mães que não sabem mais como ser pai, como ser mãe. Filhos e filhas que não podem mais ocupar esse lugar. Crianças que não são crianças. Idosos que não sabem mais o que fazer com a vida que se estende, sem que possam realmente se sentir vivos...

Imersos no paradoxo do nosso tempo de globalização, de terras sem fronteiras, vamos perdendo nossos limites, nosso corpo, nossa capacidade de refletir, de produzir; nos tornamos, cada vez mais, meros reprodutores... tendo que decidir, por conta própria, que caminho seguir. E na maioria das vezes, porque não suportamos a solidão, nos deixamos levar pelas “novas ondas do Imperador” (alusão ao filme/desenho, dito infantil, “A nova onda do Imperador”, que todo adulto deveria assistir!)

A psicanálise sabe do potencial humano: somos, realmente, capazes de tudo, para o bem e para o mal. A psicanálise sabe que o homem não é capaz de viver isolado mas que, ao ser apenas levado por essa força, sem que se possa dar-lhe um outro destino, uma outra entrada, uma outra saída, nos tornamos presas de nós mesmos. A psicanálise respeita a “natureza” humana, não busca (porque se sabe impotente, nesse sentido), eliminar nossa potencialidade, nossa força construtiva e destrutiva. A psicanálise, diferentemente do mundo capitalista, tecnológico, cientifico-laboratorial, é, ainda, o único saber que tem a coragem de se dizer: sem álibi! (alusão ao texto de J. Derrida, filosofo que compartilha do pensamento psicanalítico).

“Sem álibi!” significa que, do ponto de vista dos analistas que não se afastarem de sua humanidade, que não se esconderam por detrás de suas teorizações, a psicanálise também tem (e deve ter!) um lugar marcado na defesa da espécie humana - para além, ou para aquém, das clonagens, do dólar em alta ou em baixa, enfim, de todos os prozacs e ecstasis da vida que atualmente nos adormecem, nos apagam (as “novas ondas do Imperador”!), roubando nossas vidas...com nosso consentimento, dado, por vezes, no ápice de nossa paixão pela ignorância.

As imagens do homem e do urso que não tinham mais para onde ir, que não podiam mais fazer os movimentos de entradas e saidas que compõem o ciclo da vida, não me saiam da cabeça: ficavam ali, gritando para que eu fizesse algo com elas. Escrever nesse blog foi uma das saídas encontradas, até agora, para dar vazão a minha angustia, ao excesso de lucidez vez por outra necessária para que acordemos do sonho da vigília.

Ao escrever este texto, minha aposta é a de que estas palavras encontrem outras entradas e saídas nos ouvidos e corações daqueles que, assustados, se sentem impotentes diante da máquina que “governa” o mundo. E, cada um a seu modo, faça o que estiver ao seu alcance, faça o seu mundo girar, com novas entradas e novas saídas – ao invés de se sentirem ilhados ou sem teto (sem teta, desmamados, desamparados).

Deixo, para terminar (e não para concluir), duas afirmações:

1) Não somos capazes de viver em ilhotas.
2) Precisamos pensar em reciclar os humanos que hoje (ainda) habitam este planeta.

Ou nos reciclamos enquanto seres humanos, ou morreremos ilhados.

À AMIGA QUE ME ENVIOU O CLIP DO URSO, MEU ENORME CARINHO!

EP

segunda-feira, 8 de junho de 2009

"Metendo a mão na cumbuca" da Reforma Psiquiátrica...

Uma amiga leu na Revista Época que o poeta Ferreira Gullar tinha dois filhos esquizofrênicos e ficou muito espantada, como assim??? Dois filhos esquizofrênicos???
Fui dar uma olhada na matéria da Época e acabei sabendo que o Ferreira Gullar está no centro de uma discussão polêmica pois escreveu dois artigos na Folha de São Paulo sobre a falta de leitos em hospitais psiquiátricos, gerada, segundo ele, pela reforma dos hospitais psiquiátricos com a aprovação da lei 10.216 de 2001, que diminuiu sensivelmente a quantidade de leitos em hospitais psiquiátricos em todo o Brasil.
Pelo que sei a aprovação dessa lei é fruto do trabalho árduo e da luta contínua de muitas pessoas envolvidas com saúde mental (médicos, psicólogos, psiquiatras), ao longo de muitos anos (desde a década de 70) e é um processo que não aconteceu só no Brasil, pelo contrário, vários países já têm leis melhores e condições melhores de tratamento para seus doentes mentais.
A questão é super polêmica: o que fazer com nossos “doentes mentais”? Internar, dopar, dar choque elétrico e em última instância “lobotomizar” todos eles? Durante muitos anos foi só o que esses doentes tiveram... As famílias por não saberem ou não quererem lidar com seus doentes, achavam que interná-los era a solução e então essas pessoas eram internadas, longe dos olhos (e do coração) e sabe-se lá o que acontecia a partir daí... Os doentes eram abandonados, exilados do convívio familiar, ficavam confinados durante anos, sem tratamento, sem visitas, vivendo em condições sub-humanas, o manicômio era tão somente um “depósito” de doentes...
Há alguns anos atrás, vi um documentário sobre a Colônia Juliano Moreira aqui no Rio e fiquei estarrecida ao ver o que era um manicômio público!!! Até o nome “manicômio” é pejorativo, é sinônimo de abandono, de falta de humanidade... Algumas pessoas estavam internadas há tantos anos, que não sabiam mais quem eram, se tinham família, não conheciam outra vida que não fosse aquela... Coisa não muito diferente acontecia nos manicômios particulares... Pagava-se uma fortuna para internar a pessoa lá e todos eram tratados da mesma forma, um psicótico, uma pessoa com dificuldade de relacionamento social, um adolescente rebelde, uma pessoa viciada em drogas ou mesmo um borderline... Tem um filme americano (Garota Interrompida), que retrata bem essa condição de “igualdade” com que todos eram tratados nos manicômios até a década de 60, juntava-se todo tipo de doente, administrava-se doses pesadas de sedativo, as terapias eram direcionadas e enquadrar o sujeito num modelo pré-estabelecido de conduta e se o doente fosse “rebelde ou agressivo”, levava choques elétricos...
Obviamente que toda essa discussão sobre a doença mental passa também pela questão social... Há quem possa pagar médicos, remédios, acompanhantes terapêuticos, terapias e uma série de outras coisas para manter o doente em casa, mas e quem não tem condições financeiras para isso? Acorrenta o doente em casa? Pára de trabalhar para poder cuidar da pessoa? E os remédios caríssimos, quem paga? E então como fica? A pessoa foge de casa, surtada, desaparece no mundo, ninguém mais sabe dela e, com certeza acaba ficando na rua, perdida, agressiva, tentando sobreviver... a gente topa com essas pessoas diariamente nas ruas...
Tenho uma amiga médica, pediatra de um hospital público, que presenciou várias vezes, que algumas crianças doentes que davam entrada pela emergência, quanto tinham alta ninguém ia buscá-las, o hospital mandava levar as crianças para casa de ambulância e o endereço não existia... Isso se faz com crianças “normais”, imagino o que se faz com os doentes mentais...
Não estou negando que o convívio com um doente mental é extremamente difícil, estressante, sofrido e gera um desgaste psíquico enorme, mas que pode haver uma outra forma de tratar essas pessoas com humanidade, apostando numa recuperação ou pelo menos numa estabilidade emocional, desde que ela não seja exilada em sua própria doença!!!
Acredito que a internação em alguns casos é necessária e imprescindível, mas por pouco tempo, pelo tempo necessário à estabilização do paciente, que deve voltar ao convívio da família no mais breve espaço de tempo possível.
Hoje, depois do inicio da Reforma Psiquiátrica, fala-se em humanizar os hospitais psiquiátricos, fala-se de hospital-dia, fala-se de socialização, de integração, de terapias alternativas, remédios... Temos hoje um “arsenal” de remédios, que podem não curar, mas estabilizam determinadas doenças, temos profissionais de saúde envolvidos nessa luta diária buscando alternativas para a internação, o isolamento e o esquecimentos. Há hoje uma tentativa de se tirar a responsabilidade da “Instituição Psiquiátrica” e colocá-la nas mãos de todos, famílias, governos, comunidades, fazendo com que todos se envolvam nessa questão. Não cabe ao estado ser o único responsável por “cuidar” desses pacientes, as famílias podem e devem também se responsabilizar pelo tratamento de seus doentes em casa e cobrar das autoridades, das pessoas envolvidas com saúde mental, dos laboratórios, das ONG’s, da sociedade civil, enfim, de qualquer pessoa que tenha uma "boa idéia e disposição", para que se chegue a uma solução mais humana para os doentes mentais, para que eles possam ser acolhidos da melhor forma possível.
Sei que é utópico e impossível se pensar numa solução caso a caso... Mas não dá para rotular as pessoas e carimbar na testa que tipo de doença mental ela tem, pois nenhum doente é igual ao outro, nenhuma pessoa é igual à outra, o ser humano é tão fantástico que consegue ser diferente até nas suas semelhanças... Que bom!!!

Gisele

sábado, 23 de maio de 2009

Hermafroditismo...

Sempre achei que o hermafroditismo não existia ... Nunca conheci ninguém que fosse hermafrodita, nem nunca soube de alguém próximo, nunca ninguém me contou que alguém da família ou conhecido era hermafrodita, portanto, achava que era coisa de ficção ou uma desculpa familiar pra justificar algum comportamento diferente em suas crianças e adolescentes.
Estudei um pouco de genética na escola e ninguém falava disso (claro, eram outros tempos, e falar disso era totalmente impensável...) e mais recentemente na faculdade, quando estudei um pouco mais de genética, inclusive com vários trabalhos sobre síndromes e possíveis problemas genéticos, também nada foi falado.
Durante esta semana, acabei vendo um filme e um seriado que tratavam desse assunto e fiquei super interessada... Dei uma pesquisada básica no “meu amigo Google” e descobri que existe 1 indivíduo hermafrodita para cada 25 mil nascidos!!! É um número consideravelmente alto... Não se tem certeza das causas, mas se sabe que é um problema causado por anomalias cromossômicas, variam de indivíduo para indivíduo e existem vários tipos de hermafroditismo, com tendências tanto para o lado masculino quanto para o lado feminino. O mais intrigante é que quando a criança nasce, não há como se determinar de que sexo ela é, pois em alguns casos, além de existirem os dois sexos externos, os órgãos internos são parte masculinos e parte femininos e um exame genético também não esclarece o sexo do bebê.
Enfim, o bebê nasce e surge a dúvida cruel, mortal, como criar esse bebê? Como uma menina ou como um menino? Fico imaginando a angústia desses pais que precisam tomar uma decisão que afetará profundamente o futuro de seu filho(a). Já é difícil lidar com todas as questões emocionais que envolvem a decisão de se ter um filho, que passam pela gravidez, pelo parto, pelo nascimento, pelo futuro do bebê, e ainda se defrontar com essa questão completamente nova, pouco falada/divulgada, muito complexa, que mexe com todos os conceitos minimamente resolvidos sobre as questões sexuais, sobre papéis femininos e masculinos, sobre as opções sexuais futuras...
A solução, se é que se pode chamar isso de “solução”, é cirúrgica, onde se adequará a parte genital da criança ao gênero escolhido pelos pais... O que deve ser uma decisão dificílima, pois além da parte psicológica, social, moral ou religiosa, a parte fisiológica exige uma série de intervenções cirúrgicas, internações em hospitais, cicatrizes físicas e emocionais sem fim...
Outra “solução” possível é não se fazer nada, esperar a criança chegar à puberdade e ela própria escolher o sexo que quer ter, o que fatalmente ocasionará uma criança meio “híbrida” ou andrógina, até que chegue a hora da escolha e se tomem as medidas necessárias com relação à parte física, com administração de hormônios e a adequação do órgão ao sexo escolhido...
Na realidade quaisquer que sejam as soluções, implicam em muito sofrimento para todos, até porquê se o sexo é determinado pelo biológico, não tem saída, e se o sexo é determinado pelo psicológico, também não tem saída!!!
Então, o que fazer? Determinar o sexo do bebê no nascimento, intervir fisicamente e criar de acordo com essa “escolha” ou deixar o adolescente “escolher” por si próprio e depois tomar as medidas necessárias à adequação?
Seria fácil se a sexualidade do sujeito dependesse exclusivamente de fatores puramente biológicos ou se fosse determinada só pela forma “manualizada” de se criar filhos: meninos são assim (brincam de bola) e meninas são assado (brincam de bonecas). O problema está em que pra além do biológico, a sexualidade e a escolha de um objeto amoroso, depende do quanto de investimento afetivo se faz no bebê, na relação com a mãe, na relação entre os pais, na relação dos pais com os filhos, nas identificações que a própria criança produz, na passagem pelo Édipo, pelo narcisismo, etc...
Ficam aí as perguntas, quem se habilita ???

Bjs
Gisele




segunda-feira, 11 de maio de 2009

Dia das mães...

Sei que é uma data que surgiu da necessidade de se incrementar o comércio, como o dia dos pais, das crianças, dos namorados, agora tem até o dia da avó, da sogra, do amigo... Mas, como esse dia se comemora há muito mais tempo, acabou ficando marcado no imaginário de todos nós e queiramos ou não, “entramos nele” de algum jeito, bem ou mal, triste ou feliz, sozinhos ou com mães e filhos.
Fui com meus filhos almoçar na casa da minha irmã, que após anos sozinha, agora tem sua filha e netos morando com ela, o que foi uma bela oportunidade de reunir o resto da família, que eu não via há tempos, embora moremos na mesma cidade, sou a irmã "desgarrada". E meus irmãos moram todos no mesmo lugar, uma casa em baixo, uma casa em cima e uma casa atrás, o que gera conflitos enormes, pois são um “condomínio” sem regras e limites claros, o que me enlouquece só de imaginar em compartilhar esse espaço comum com todos eles e mais sobrinhos e agregados.

Somos uma família grande, éramos 5 irmãos, em “escadinha” como era comum nas famílias de antigamente, com avós morando junto e a casa sempre cheia de amigos e parentes, até porque somos de SP e a família vinha sempre se hospedar aqui no Rio. Nossa ascendência é italiana e falávamos todos ao mesmo tempo, muito alto, mexendo muito com as mãos e de longe, parecia que estávamos sempre brigando... mas não era assim, brigávamos muito, claro, mas sempre nos uníamos contra qualquer coisa ou pessoa que pudesse minimamente “arranhar” aquela relação, cheia de conflitos, mas onde aprendemos a dividir, a trocar, a abrir mão das coisas, a contar com alguém, a estabelecer certos limites, a compartilhar segredos (nem tão secretos, pois em meia hora não havia mais segredo nenhum que resistisse...) e também, como um micro-cosmo do mundo, aprendemos a lidar com a inveja, o ciúme, o ódio, o “puxar o tapete” do outro, a competição, a cair, engolir as lágrimas e a levantar...

Meus pais eram iguais aos milhões de pais daquela geração, meu pai era o provedor, quem detinha o poder e dava a última palavra em tudo, também era o primeiro a se servir à mesa, o melhor bife era o dele, o pedaço mais nobre do frango, o peito, idem... então brigávamos sempre pelo resto do frango, minha mãe ficava com o pescoço e costumava dizer que “adorava pescoço”. Levamos anos pra descobrir que ela jamais gostou do pescoço!!!

Minha mãe, dona de casa, organizava a bagunça junto com 2 empregadas que faziam o trabalho de casa, que ela detestava, e mantinha as rédeas curtas sobre a “moral e bons costumes”. Não podíamos usar biquíni, nem saia curta e tínhamos de estar em casa antes de escurecer, pois “seu pai não gosta que vcs cheguem tarde em casa” !!! Hoje sei que a maioria das regras era ela quem determinava e na verdade, usando de sua prerrogativa feminina, manipulava a todos, inclusive meu pai.

Mas funcionava. Hoje somos todos adultos na faixa dos 45/55 anos, casamos, descasamos, tivemos filhos, netos, trabalhamos, nos aposentamos, enfim, vivemos nossa vidinha, “neuroticamente normal” e sei que somos o que eles nos fizeram ser... Haviam papéis definidos, quem mandava em quê, quando, onde e como. Tínhamos hora pra dormir, para acordar, pra fazer dever, pra brincar e ver TV, quando assuntos de adultos eram tratados, tínhamos de sair da sala, sabíamos como nos comportar, só com um olhar severo da minha mãe... Meus pais iam ao cinema uma vez ou outra e até hoje me lembro que nesses dias minha mãe colocava perfume e batom e nessa ocasião, meu pai olhava para ela com os olhos brilhando. ..

Tínhamos os queridinhos e queridinhas e sofremos muito com isso pois, obviamente todos queríamos ser queridinhos(as), também tínhamos os detestáveis rótulos familiares: o inteligente, o bonito, o feio, o meio burrinho, mas esforçado, o que não fede nem cheira, etc. E brigas, muitas brigas !!! Braços e pernas quebrados, galos na cabeça e muitos, mas muitos pontos, aqui e ali, sempre tinha um machucado ou quebrado.

E hoje, adultos e com nossos filhos em volta, lembramos de tantas histórias, tantos “causos”, que para serem contados precisávamos estar todos juntos, pois cada um lembrava uma parte da mesma história. Rimos muito mas também tivemos muitos momentos de olhos marejados, voz embargada, choros contidos, por lembrarmos das perdas de nossos pais e de nossa irmã mais velha. E vi que continuamos sendo uma família, apesar das perdas. Parecia que eles continuavam lá, parecia que não faltava ninguém, e de certa forma, estavam, pois através de nós, de nossa história, de nosso passado, eles continuam vivos, ali, um pedacinho em cada um de nós...

Espero que todos tenham tido um feliz dia das mães, da melhor forma possível, ou como filhos ou como mães ou como pessoas que estão no mundo fazendo às vezes de mãe de alguém...


Bjs
Gisele

domingo, 26 de abril de 2009

ao meu fiel e alegre DANDAN.

Pois é, e a inevitável visita da tristeza se fez presente num telefonema . Hoje, eu e meu irmão chegamos a conclusão de que precisamos sacrificar nosso cão.


Dandan tem 14 anos e 4 meses de vida, e um problema sério e muito doloroso na coluna. Estávamos tratando com medicamentos e acupuntura, mas ele não está aguentando mais, e não conseguimos mais vê-lo sofrer, afinal também estamos sofrendo. E pensar que ele corria, pulava, subia, descia, cavava, mas que merda de vida!
Ele vai morrer amanhã.
Tudo junto, administrar a dor da perda e a dor da decisão da perda, é algo penoso e de muita responsabilidade, porque jamais saberemos se, com o tratamento, ele voltaria a ter boas condições de vida. Sei que é possível, mas não sei se no caso dele o é.

Quem precisa de um cachorro? pra sofrer mais? como se já não bastasse todas as dores que já sentimos até hoje, todas as perdas que já choramos até hoje; e, pior, as que ainda virão!

Nos acumulamos de tanta vida ao nosso redor e, depois, temos que fazer das tripas coração, para tentar dar conta da dor que tanta vida, infalivelmente, acarreta.

Li, há pouco tempo atrás, um livro narrado pela morte "A Menina que roubava livros", e ali, ela não se mostrava refratária à dor, pelo contrário, ela parecia sentir todo o peso de sua presença na vida dos que ficavam, mas sabia que alguém, algum dia, haveria de fazer seu sujo, insano e eterno trabalho. Levar daqui, da nossa companhia, entes queridos, e, daqui a pouco, levar a nós mesmos, dá o que falar, mas hoje estou tão arrasada com a atitude de decidir que é melhor abreviar a dor do dandan e saber que nunca mais o verei, que não tenho condições de ir além do lamentável e lancinante do fato.
Várias coisas passam pela minha cabeça, várias situações em que ele estava presente, me aparecem num flash: passeios, cochilos, carinhos, lambidas, corridas, e tb várias formas de lidar com o buraco que ficará. Não sei como meu irmão está, imagino que desolado, mas, além disso, estou pensando em como é confortável a vida de pessoas que, talvez para se protegerem justamente de situações como esta, não cultivam nem uma planta. Vivem sem a dor, a mortificante dor de chorar a perda de alguém, mas também vivem sem a experiência de anos e anos de convivência, de risos, de abraços, de porradaria, de mau-humor, de cuidado, de resfriado, de praia, de porre, de tombo, enfim, de uma vida sendo contada não só por você, mas por outras pessoas a sua volta, com outras formas de encarar a vida, os tombos, os porres, os abraços.

Talvez, escrevendo aqui, seja uma maneira de dizer ao dandan como o amo, embora já o tenha dito inúmeras vezes.
Uma homenagem ao parceiro de tantos momentos bacanas juntos. Nunca vou me esquecer da fissura que ele ficava quando via o mar, hehe, ninguém conseguia segura-lo. E quando ele espantou dois suspeitos que entraram no condomínio que a minha mãe morava? Nossa, ali ele se tornou o herói e não tinha um vizinho que não viesse passar a mão nele com gratidão, não por ele ser bravo, longe disso, mas por ser brincalhão, estabanado e, muito provavelmente, ter confundido um dos suspeitos com o meu pai - pelo menos, era o que a minha mãe dizia.

Bom, é isso, sem grandes elocubrações, porque tô frágil, tô fraca, quase sem disposição para pensar, quero deixar aqui o meu protesto contra a maldita morte, ou seja lá o que isso for! e quero deixar registrada a minha homenagem/saudade ao dandan, que foi o único cachorro que tive, que adorava ir ao veterinário. O Mário mesmo dizia, "cara, o dandan é tão feliz, tão brincalhão que é o único cachorro que gosta de vir me ver!"
Amanhã eles vão se ver pela última vez.

Dandan, eu te amo muito, vc sempre foi muito doce, estabanado, ciumento, bobão e obediente. Adorei ter te conhecido e convivido com você, por isso, se houver a mais remota possibilidade, saiba que, por mim, a gente se encontra na próxima de novo.
AP

domingo, 12 de abril de 2009

CO-MEMORAR


Um blog do qual participam psicanalistas não poderia deixar passar em branco o dia da Páscoa. Surpresa? Você também acha que psicanalista é ateu? Não tem religião? Bem, depende do que você entende por religião. Do latim “religare”, religião significa “ligar de novo”: ligar de novo o que uma vez esteve ligado e foi desligado/esquecido; ligar o que jamais esteve ligado, permanecendo nas sombras sem, entretanto, deixar de nos assombrar; ligar o que jamais pensamos que poderíamos pensar...

Nesse sentido, religião é colocar em atividade a possibilidade do encontro, do acontecimento, sempre de forma positiva, ainda que isso nos custe um certo esforço. E é aí que entram os psicanalistas: pessoas que fizeram a experiência de se deixar atravessar por novas formas de ligação e que, por isso, são capazes de acompanhar o trabalho das chamadas pulsões de vida – aquelas cuja função é, justamente, atar-nos à vida.

É por aí que sou religiosa: o sentido da Páscoa não está somente em comer chocolate - o que não impede que isso aconteça, também! Quem disse que o coelho da Páscoa não pode ser fundamental? As ligações, a vida, pode despontar, renascer pelos caminhos mais simples e/ou mais absurdos...

Co-memorar a Páscoa é “lembrar junto”: de que somos portadores da capacidade de renovação; de que somos capazes de mudanças internas e externas, de que podemos “trocar de pele”, de que não se nasce apenas uma vez. De que podemos esquecer de querer esquecer de tudo, até do fato de que somos portadores da vida. Disso também é feita a função do psicanalista.

A Psicanálise surge quando todos e tudo procuravam “esquecer” que a vida é maior do que as moralidades, as religiões com seus absurdos, o conservadorismo barato, a violência injustificada – enfim, tudo o que vai de encontro ao movimento incessante da vida, em suas mais variadas formas de manifestação. A Psicanálise nasceu, portanto, religiosa: se propondo a ligar o que ficava “abafado”, o que era mal-dito. Após 109 anos de sua criação, como estaria a Psicanálise, aos olhos do mundo? Renovando-se... e continuando a trabalhar para que nossa capacidade de co-memorar seja ampliada, para que usemos cada vez menos (apenas quando for absolutamente necessário!), nossa capacidade de esquecimento, esta sim, sempre alerta, sempre aí!

Co-memorar a Páscoa é uma tentativa (ingênua, talvez) da nossa civilização de combater esse tal do esquecimento, essa mania de achar que o ser humano pode evoluir sem sentir, sem olhar para o que lhe traz incômodos, para o que lhe faz sofrer... Mas não insistimos em esquecer, em não co-memorar porque somos covardes, porque temos medos. A covardia e o medo geralmente entram em segundo lugar; já são o efeito de um outro velho e jamais deteriorado hábito, que somente os humanos possuem: o de pensar-se na obrigação de “ser perfeito”.

Creio que se “Deus criou o homem e a mulher”, foi para provar que a força da vida é mais forte do que nossas tentativas de nos tornarmos perfeitos. Ao insistirmos na perfeição, quantas vezes esquecemos de viver? E com tal esquecimento, toda a nossa capacidade de renovação, vai por água abaixo... com a gente junto, é claro!

Este pequeno texto tem por objetivo contribuir (ingenuamente, eu sei! O esquecer é automático, lembra-se?) para nos lembrarmos de que não dá para ter uma vida plena (e isso não significa uma vida totalmente feliz!), se não acionarmos o botão da renovação, de vez em quando, pelo menos... E, falando sério: existe algo mais absurdo, mais violento, mais cruel do que essa exigência de sermos perfeitos? Portanto, co-memore! Se ligue!

E, sobretudo, procure não esquecer: mais importante do que sermos perfeitos, é nossa capacidade de nos responsabilizarmos pela vida que queremos ter. Sem isso a gente nem começa a viver...

Bjs

EP

O QUE É UMA MÃE? PARTE 2

Bom, em função do tema que decidi vasculhar em minha monografia, que trata do imbróglio: desejo de engravidar x desejo de maternidade, talvez me estenda um pouco mais do que gostaria, mas vou tentar não me repetir.

Infelizmente, essa pendenga (gravidez x maternidade), ainda hoje - século XXI - é motivo de assombros, mas não de questionamentos; talvez poucos, mas não em número suficiente a ponto de este tipo de situação relatada, ainda nos deixar indignados e dizer: Pra que essa moça resolveu ser mãe? será que ela não queria "apenas" engravidar e curtir um corpo diferente ou aproveitar uma nova postura no mundo? deixar de fumar, quem sabe?

Seja como for, a proposta de minha monografia é questionar mais, aumentar o volume de questões ainda camufladas, veladas e reverberar uma pergunta que um pediatra (não sei se posso colocar o nome dele...será que serei processada? - se eu puder, boto o nome dele depois) coloca em um de seus livros: "Todos os adultos têm condições de se tornar pais?".

Formulações como essa andam salpicando aqui e ali pelos pontos do globo, mas ainda é muito pouco para tentar responder à pergunta: O que é uma mãe? Será que antes, não devemos nos perguntar: Que tipo de relação é essa entre uma mulher e um bebê?

Ah, mas aí vem a igreja, vem a própria sociedade (coitada) e sei lá mais quem e abafam a pergunta, provavelmente aos berros, com o seguinte comentário: Mas que pergunta é essa? Essa mulher é a mãe do bebê? Então, é claro que é uma relação de amor!!! Ok, adoraria acreditar nisso, mas infelizmente não sou capaz; não depois de “encarar” alguns teóricos da psicologia, da psicanálise, como Freud, Winnicott, Lacan, Nasio, e muitos outros,... e talvez, estejamos precisando, no momento, como participantes de um mesmo planeta, vizinhos, chefes, empregados, enfim, pessoas que, através de suas histórias, estão no mundo; nos debruçar sobre a “natureza” do laço que une uma mãe e seu filho.

Incrível como essas perguntas se apresentam de uma forma tão simples, né? beiram a ingenuidade. Ingenuidade, porque somos levados, de alguma forma, a acreditar que todos somos capazes de nos reproduzir. Somos mesmo? Todos? Tenho minhas dúvidas, e acho que o que falta há humanidade, de um modo geral, é, humildemente, entender que não.
Mais chocante que as perguntas e as tentativas em respondê-las, é a forma como nós ainda lidamos com nossas mazelas nessa seara. Será que não seria mais "humano" aquiescermos a esse fato do que nos depararmos com situações horripilantes que se tornam manchetes de jornal ou mesmo cenas "banais" que fazem parte do dia a dia de qq mortal? É só sermos minimamente corajosos e olharmos para não muito longe e passarmos a nos questionar, porque nós, a humanidade (burra, tadinha, desamparada e vítima) ainda não entendeu, e talvez nem entenda nunca, que essa função (a função materna) é atravessada por histórias precedentes (ou a falta delas), e que envolve muito mais que a "maldita natureza maternal" ou "instinto maternal" - ainda cultuada e exigida, que coloca a mulher, desde qdo nasce, como que portadora de um gene ou de uma calibragem em seu DNA capaz de dar conta, no futuro, de algo que, via sociedade, se faz imperativo...se tornar mãe!

Tal qual a pergunta: "O que quer uma mulher?", "O que é uma mãe?", nos instiga, mas, diferentemente do que se pensa ainda hoje, ou seja, que a pergunta de uma é a resposta da outra, a constituição do ser humano, complexa que é, não nos permite tamanha falácia e tão pueril engano.

Pena a humanidade ainda não ter conseguido se aproximar da realidade, mesmo diante de infelizes fatos corriqueiros como nossas manchetes de jornal e idas à farmácia, ao supermercado, ao clube, ao parquinho, .....
(para maiores informações, vide minha monografia, já já disponível no boca).

AP
12.4.09

sexta-feira, 10 de abril de 2009

O QUE É UMA MÃE?

Vários textos (sobretudo os de Psicanálise) já se propuseram a discorrer sobre as possíveis respostas à pergunta acima – uma pergunta que, creio, só pode ser respondida no particular de cada um, e com inúmeras ressalvas, pontos de exclamação, contradições, indefinições. De minha parte, acho que estamos diante de uma pergunta que não pode ser respondida com explicações, regras, definições exatas... Não há resposta definitiva para essa pergunta. Ela não se deixa responder... E, por isso mesmo, ela não cessa de ser feita. Quem é mãe, e quem tem mãe (quem não tem?!), sabe que mãe é uma “coisa” que, dificilmente, deixa a gente em paz... A simples menção da palavra mãe, falada ou ouvida, desperta os mais intensos sentimentos, bons ou ruins, em sua maioria jamais simples; pelo contrário, muito contraditórios!

Na fila do caixa de uma drogaria, eu esperava minha vez de pagar. À minha frente, uma mulher jovem ia dando para o rapaz do caixa os produtos que queria levar. Ao lado dela, um homem, também jovem, e um menino de uns 4 anos. A principio, não consegui identificar que ali estava uma família. Não era visível nenhum laço afetuoso entre aquelas pessoas. Foi então que o menino, magrinho, meio curvado, me chamou a atenção pela alegria com que dizia: “Pai, posso pegar um MM?”. O tal chocolate estava na prateleira, bem à altura do pequenino que, para meu espanto, não estendera a mão para pegar o MM e, só depois, então, fazer o pedido. “Criança educada!”, pensei, não sem uma certa estranheza que ainda não podia explicar para mim mesma. O pai consente, o menino pega o MM. A mãe tira o MM das mãos do menino (um tanto bruscamente, sem palavras, quero dizer) para passar o produto no caixa e não devolve-lo ao menino, que começa a demonstrar uma reação de quase pânico; com esforço, ainda não chorando, ele diz: “Mãe, me dá meu MM!”.

Resposta da Mãe: “Não. Você vai tomar vacina daqui a pouco e não pode comer chocolate (!). E vai almoçar, também!” O garoto cai em prantos, muito, muito infeliz. O mundo tinha desabado para ele... A “resposta” da mãe: “Então, se é assim, eu vou deixar o MM aqui e não vou levar!”. E pede ao caixa para tirar o chocolate da conta.

O pai (aquele mesmo que havia “dado” o MM: “Você fica de marra, é isso que dá!”

O menino pára de chorar (“engole o choro”). Noto que a curvatura de suas costas aumenta um pouco. Os três saem da farmácia. De costas, percebo que tanto o pai quanto o filho tem o mesmo caminhar: curvados. O menino parara de chorar, e saira sem o MM.

Não houve espaço para negociações, trocas, palavras... amorosidade. Só o império das regras (do tipo leite com manga faz mal, não se pode lavar a cabeça menstruada, quem brinca com fogo faz xixi na cama, quem vai tomar vacina não pode comer chocolate... etc, etc).

Nós podemos não ter uma resposta definitiva para a pergunta que dá titulo a este pequeno relato. Entretanto, que não possamos respondê-la, isso não nos impede que essa mesma pergunta ressoe e se deixe responder a cada vez, em cada situação que a vida nos apresenta, a partir de referências concretas à realidade e, sobretudo, com uma boa dose de amor.

Ao falar sobre a relação entre uma mãe e seu filho, Freud chegou a dizer que “uma mãe ensina seu filho a amar”. Talvez esta seja a resposta mais simples – e a melhor – para a pergunta que não quer calar... Na impossibilidade de amor, lembra Freud em outro texto, adoecemos... a nós mesmos e a nossos filhos.

EP

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Nome do Pai ou nome da gente?


Com a “inauguração” do blog fiquei pensando como assinar... Só o primeiro nome, nome e sobrenome, só as iniciais? O nome todo deixa a gente muito exposta? Se colocar o nome todo, dá a sensação de invasão?
Paranóias à parte, creio que nome e sobrenome são coisas muito fortes, afinal carregamos no sobrenome toda a história de nossa família, uma bagagem difícil de deixar pela estrada... Se pensarmos que o que nos dá nome é anterior a nossa chegada, que foi pensado antes de nascermos, que já viemos ao mundo devidamente “nomeados”, fica pior ainda, a carga de responsabilidade aumenta muito!
Fiquei pensando porque eu tinha essa sensação de “carregar” um sobrenome e me lembrei que em minha casa todos tínhamos nomes incomuns, o meu é o mais “normalzinho” de todos. Meu pai fazia questão de nos chamar pelos nossos nomes próprios, pois detestava apelidos, não me lembro de ser chamada por nenhum tipo de apelido carinhoso ou qualquer coisa minimamente brincalhona por parte dele...
O meu sobrenome além de ser o nome do meu pai, carrega todos os ensinamentos, os conceitos de ética, moral e honestidade que ele me passou e eu achava que era isso o que me definia... O meu nome junto com o meu sobrenome tem uma conotação muito mais firme, séria, reta, coisas que ele me ensinou, que ficaram marcadas em mim para sempre e consequentemente eu tenho de "zelar" por ele... Não que eu ache que isso foi ruim, ainda mais se pensarmos nesses nossos tempos atuais de absoluta falta do “Nome do Pai”, falta de limites, interdições... Pelo contrário, acho que ele estava absolutamente certo !!!
Quando estava para me casar, fiquei muito angustiada, pois teria de deixar de usar o nome do meu pai (na minha cabeça abriria mão desse “nome” em todos os sentidos, o simbólico, o imaginário e o “concreto”, não o real), então descobri que não era mais obrigatória a mudança do nome com o “advento” do casamento... Que alivio !!!
UFA, ainda bem, como poderia deixar de ser eu, com meu sobrenome de sempre, minha assinatura de sempre, minha identidade de sempre? Tinha a sensação de que ao trocar meu sobrenome, estaria trocando de pessoa, não seria mais eu, mas sim uma outra, nova, nascida ali... Como assim? E a revolução feminina? E o meu direito de querer continuar a ser a mesma pessoa? Porque o casamento me obrigava a virar outra pessoa? Não foi sem caras feias por parte da família do meu marido (ex, agora), que mantive meu nome, muito feliz e achando que tinha feito valer todas as conquistas da minha geração, absolutamente feminista !!!
Enfim, depois de algumas conversas muito produtivas e algumas histórias bem interessantes, percebi que na verdade o que me define é quem eu realmente me tornei, independente de nome e sobrenome, o que importa é a bagagem que carrego, as escolhas que fiz, o percurso de uma vida e do “alto” (alto???) dos meus 53 anos até posso me dar ao luxo de fazer o que bem quiser com meu nome, pois, finalmente ele é meu, eu tomei posse dele!!!
Bjs
Gisele

Você também acha que o mundo está louco?

Muito comum hoje em dia ouvirmos pessoas se queixando de que “o mundo está louco”... Invariavelmente, são queixas feitas quase que à queima roupa, dirigidas a ouvintes virtuais, como se fosse imperioso dizer, não importando muito se a “pessoa” ou as “pessoas” ali presentes darão ou não seus ouvidos a uma fala como essa.
Outro dia, isso aconteceu novamente no balcão de uma famosa delicatessen, situada no Leblon. Testemunha dessa re-ediçao, decidi pensar um pouco sobre o assunto: se o mundo está louco, é imprescindível que isso seja dito – é o que parece, dada a repetição da mesma cena em roteiros diferentes. O que me intriga é a repetição da forma como essa frase é dita – à queima roupa, como já disse.
Difícil não lembrar da fábula onde uma criança grita “o Rei está nu!”, em meio a uma multidão que se pensa obrigada a cumprir o protocolo, isto é, a reverenciar V.Alteza.
Aos poucos, segundo narra a fábula, uma e outra voz vai se somando à da criança e em pouco tempo, todos, menos o Rei, sustentam a encenação de que “tudo vai bem..”
Na vida real, no dia a dia, muitas pessoas-crianças parecem não poder evitar dizer “o mundo está louco!” ... Mas, o que também parece vigorar, é o receio de que isso seja realmente confirmado... e que a loucura se torne generalizada ao ser desvelada.
E assim, enquanto ainda não for possível encontrar verdadeiros ouvintes, vozes e mais vozes ecoam no ar, tal como pequenas mensagens na garrafa, boiando num universo indistinto, em busca de um porto onde à “loucura do mundo” possa ser dado um outro destino. Mas para que isso aconteça, primeiro ela tem que ser reconhecida como tal, por pelo menos dois... Por que dois já fazem um encontro. E a criança pode, enfim, não estar mais só. E aí não importa mais que o mundo tenha sempre sido mesmo meio (ou muito?) louco. Por que no encontro, a vida se separa do mundo... E se torna uma vida possível.

EP

domingo, 5 de abril de 2009

Vamos começar os trabalhos...

Finalmente o blog saiu !
No princípio éramos um grupo de estudos, comum, normal como todo grupo de estudos é. Costumávamos ler algum texto, debater sobre ele e ponto final. Mas, aos poucos, o grupo foi mudando, saíram algumas pessoas, entraram outras, mudamos de local e finalmente chegamos ao grupo de hoje, que se reúne (quase sempre) às 6as. feiras.
O perfil do grupo mudou bastante... Hoje estudamos, continuamos a ler textos que achamos interessantes, mas também falamos de filmes, de nossos relacionamentos, de nosso trabalho profissional, de assuntos que permeiam nosso dia-a-dia, que nos causam alegria, espanto ou mal-estar, ou às vezes, notícias, crônicas ou livros que lemos e achamos interessantes...
Enfim, o Boca Mal Dita surgiu do desejo de compartilhar o que temos falado em nosso grupo e é a isso que se propõe, ser um lugar onde possamos falar de assuntos variados que nos movem, colocarmos em palavras nossas idéias, ideais e opiniões que acreditamos que possam interessar a outras pessoas...
Somos um grupo eclético, de várias idades, pensamentos e tendências diferentes, temos em comum o amor à psicanálise, mas o Boca Mal Dita não se propõe a ser um fórum de debates psicanalíticos e muito menos um lugar para se falar "psicanalês".
O Boca Mal Dita está no ar, comentários, opiniões e debates serão bem-vindos !

Um abraço a todos,


Gisele