segunda-feira, 8 de junho de 2009

"Metendo a mão na cumbuca" da Reforma Psiquiátrica...

Uma amiga leu na Revista Época que o poeta Ferreira Gullar tinha dois filhos esquizofrênicos e ficou muito espantada, como assim??? Dois filhos esquizofrênicos???
Fui dar uma olhada na matéria da Época e acabei sabendo que o Ferreira Gullar está no centro de uma discussão polêmica pois escreveu dois artigos na Folha de São Paulo sobre a falta de leitos em hospitais psiquiátricos, gerada, segundo ele, pela reforma dos hospitais psiquiátricos com a aprovação da lei 10.216 de 2001, que diminuiu sensivelmente a quantidade de leitos em hospitais psiquiátricos em todo o Brasil.
Pelo que sei a aprovação dessa lei é fruto do trabalho árduo e da luta contínua de muitas pessoas envolvidas com saúde mental (médicos, psicólogos, psiquiatras), ao longo de muitos anos (desde a década de 70) e é um processo que não aconteceu só no Brasil, pelo contrário, vários países já têm leis melhores e condições melhores de tratamento para seus doentes mentais.
A questão é super polêmica: o que fazer com nossos “doentes mentais”? Internar, dopar, dar choque elétrico e em última instância “lobotomizar” todos eles? Durante muitos anos foi só o que esses doentes tiveram... As famílias por não saberem ou não quererem lidar com seus doentes, achavam que interná-los era a solução e então essas pessoas eram internadas, longe dos olhos (e do coração) e sabe-se lá o que acontecia a partir daí... Os doentes eram abandonados, exilados do convívio familiar, ficavam confinados durante anos, sem tratamento, sem visitas, vivendo em condições sub-humanas, o manicômio era tão somente um “depósito” de doentes...
Há alguns anos atrás, vi um documentário sobre a Colônia Juliano Moreira aqui no Rio e fiquei estarrecida ao ver o que era um manicômio público!!! Até o nome “manicômio” é pejorativo, é sinônimo de abandono, de falta de humanidade... Algumas pessoas estavam internadas há tantos anos, que não sabiam mais quem eram, se tinham família, não conheciam outra vida que não fosse aquela... Coisa não muito diferente acontecia nos manicômios particulares... Pagava-se uma fortuna para internar a pessoa lá e todos eram tratados da mesma forma, um psicótico, uma pessoa com dificuldade de relacionamento social, um adolescente rebelde, uma pessoa viciada em drogas ou mesmo um borderline... Tem um filme americano (Garota Interrompida), que retrata bem essa condição de “igualdade” com que todos eram tratados nos manicômios até a década de 60, juntava-se todo tipo de doente, administrava-se doses pesadas de sedativo, as terapias eram direcionadas e enquadrar o sujeito num modelo pré-estabelecido de conduta e se o doente fosse “rebelde ou agressivo”, levava choques elétricos...
Obviamente que toda essa discussão sobre a doença mental passa também pela questão social... Há quem possa pagar médicos, remédios, acompanhantes terapêuticos, terapias e uma série de outras coisas para manter o doente em casa, mas e quem não tem condições financeiras para isso? Acorrenta o doente em casa? Pára de trabalhar para poder cuidar da pessoa? E os remédios caríssimos, quem paga? E então como fica? A pessoa foge de casa, surtada, desaparece no mundo, ninguém mais sabe dela e, com certeza acaba ficando na rua, perdida, agressiva, tentando sobreviver... a gente topa com essas pessoas diariamente nas ruas...
Tenho uma amiga médica, pediatra de um hospital público, que presenciou várias vezes, que algumas crianças doentes que davam entrada pela emergência, quanto tinham alta ninguém ia buscá-las, o hospital mandava levar as crianças para casa de ambulância e o endereço não existia... Isso se faz com crianças “normais”, imagino o que se faz com os doentes mentais...
Não estou negando que o convívio com um doente mental é extremamente difícil, estressante, sofrido e gera um desgaste psíquico enorme, mas que pode haver uma outra forma de tratar essas pessoas com humanidade, apostando numa recuperação ou pelo menos numa estabilidade emocional, desde que ela não seja exilada em sua própria doença!!!
Acredito que a internação em alguns casos é necessária e imprescindível, mas por pouco tempo, pelo tempo necessário à estabilização do paciente, que deve voltar ao convívio da família no mais breve espaço de tempo possível.
Hoje, depois do inicio da Reforma Psiquiátrica, fala-se em humanizar os hospitais psiquiátricos, fala-se de hospital-dia, fala-se de socialização, de integração, de terapias alternativas, remédios... Temos hoje um “arsenal” de remédios, que podem não curar, mas estabilizam determinadas doenças, temos profissionais de saúde envolvidos nessa luta diária buscando alternativas para a internação, o isolamento e o esquecimentos. Há hoje uma tentativa de se tirar a responsabilidade da “Instituição Psiquiátrica” e colocá-la nas mãos de todos, famílias, governos, comunidades, fazendo com que todos se envolvam nessa questão. Não cabe ao estado ser o único responsável por “cuidar” desses pacientes, as famílias podem e devem também se responsabilizar pelo tratamento de seus doentes em casa e cobrar das autoridades, das pessoas envolvidas com saúde mental, dos laboratórios, das ONG’s, da sociedade civil, enfim, de qualquer pessoa que tenha uma "boa idéia e disposição", para que se chegue a uma solução mais humana para os doentes mentais, para que eles possam ser acolhidos da melhor forma possível.
Sei que é utópico e impossível se pensar numa solução caso a caso... Mas não dá para rotular as pessoas e carimbar na testa que tipo de doença mental ela tem, pois nenhum doente é igual ao outro, nenhuma pessoa é igual à outra, o ser humano é tão fantástico que consegue ser diferente até nas suas semelhanças... Que bom!!!

Gisele

3 comentários:

  1. Querida Gi. Vc conseguiu demonstrar,com seu texto, o que falta no governo,nos hospitais e nas familias quando o assunto "loucura" está em jogo: uma enorme falta de bom senso, precedida, é claro, por uma incapacidade de exercer uma das caracteristicas que até mesmo outros animais, e as crianças, possuem: a compaixao. E para os ingenuos ou adeptos da vitimizaçao, vou logo avisando: assim como a loucura, o bom senso nao é inato! Ele é fruto de muito, muito trabalho! Vou finalizar com uma frase do Dumbledore (O Mago de Harry Potter): "O que importa nao sao nossos atributos. Sao nossas escolhas."
    Muitos beijos para vc!!!

    Evelin Pestana

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  2. Seu texto, Gi, é da hora, TDB! Faz pensar, desejar meter a mão na cumbuca e produzir! Impossível não querer dar uma revirada!

    O assunto é muito sério e atravessado por questões sociais, econômicas, culturais e políticas, com ênfase nessa última, já que estamos falando de realidade brasileira. Evidentemente essas questões sempre foram complexas no mundo inteiro através dos tempos, como tão bem vemos através da história, desde a Antiguidade Clássica, quando a loucura tinha status oracular e religioso, passando pela demonização da loucura na Idade Média até chegarmos à obra foucaultiana, que demonstra que a condição da loucura só se dá dentro de uma cultura que a reconheça como tal.

    E daí surgem várias perguntas. Qual o zero absoluto da loucura, se é que ele existe? Quem é louco e quem e são? Quem é que define os padrões de normalidade? Que cultura é essa que cria e renega seus próprios produtos, ditos insanos?

    E finalmente, cá entre nós, que sistema é esse que não resolve, não larga o osso e nem sai de cima? Quem é que sai ganhando e quem sai perdendo nesse jogo em que o doente participa sempre como bola?

    Muitos beijos!

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  3. gostei do texto Gi, e vejo que sempre encontramos pessoas que que na fala é uma coisa, mas na prática é outra,sempre se apresentam como solucionadores em que as propostas ficam na gaveta e as pessoas que necessitam , como nesse caso ficam como bola. Fico na reflexão do RAIDER

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